OS ASPECTOS PRÁTICOS DA ASSEMBLÉIA GERAL DE CONDOMINIO: UMA ANÁLISE DA LEI 14.309/2022.
Assembleia – covid – inovação – condomínio
Ramon Perez Luiz[1]*
Tatiana Lima[2]*
INTRODUÇÃO
Assim como na Roma Antiga, em que o Senado era o lugar no qual as decisões eram tomadas e chancelava-se as leis do Imperador, a Assembleia Geral de Condomínio é o local no qual se decide e chancela as decisões que irão nortear a vida de um condomínio e de seus condôminos.
Miguel Zaim, nos define que a Assembleia Geral como o órgão hierárquico supremo de decisão e de autoridade máxima, visando, sobretudo, à administração do condomínio e a elaboração de normas internas.[3]
As assembleias em condomínios podem ser ordinárias, nos termos do artigo 1350 do Código Civil, cuja ocorrência é obrigatória uma vez ao ano sendo a pauta, via de regra, a Eleição da Administração, Aprovação de contas, definição da previsão orçamentaria. E a extraordinária, nos termos do artigo 1355 do Código Civil, podendo ser convocada por ¼ dos moradores ou pelo Síndico, a qualquer tempo e quantas se fizerem necessárias para deliberar sobre assunto não previsto, mas que exige ser do conhecimento de todos os condomínios e da aprovação dos presentes e, dependendo do tema, conforme quóruns.
As assembleias de Condomínio, que na prática reúnem Convocação válida, condômino inadimplente, voto por procuração, inquilinos, pauta polêmica e por aí vai, são conhecidas por serem pautadas por discussões calorosas e muitas vezes recheadas de histórias que nos desencorajam de comparecermos em uma próxima.
Sempre se questiona nas Assembleias: Procuração sem firma reconhecida é válida? Condômino que parcelou a sua dívida condominial pode votar? Se o nome da esposa (o) não está na matrícula este (a) pode se candidatar a sindico (a)? O voto é por unidade ou fração ideal?
As respostas via de regra quando não estão na lei, está na Convenção, Regime Interno ou uma Ata de Assembleia anterior, mas sempre se apresentam em momentos pré-assembléia como um “aquecimento” para o que virá depois.
A ASSEMBLÉIA GERAL ORDINÁRIA E EXTRAORDINÁRIA
A assembleia geral é o órgão deliberativo hierarquicamente superior instituído na propriedade horizontal que possui poder de comando organizacional [4] e “O resultado da assembleia, em tese, vincula a todos, mesmo os que não compareceram e votaram”[5] , sendo necessário a redação de atas registrando todas as decisões tomadas, devendo ser dada ciência destas a todos os que se fizeram presentes ou não na reunião, no prazo de até oito dias posterior a data de realização, conforme estabelecido pela Lei 4.591/64, ou em prazo fixado pela convenção condominial, formalidade necessária para validar a reunião assemblear. [6]
A assembleia ordinária ocorre uma vez por ano obrigatoriamente para que sejam expostas questões referentes às contas do condomínio e demais deliberações importantíssimas da comunidade condominial, contudo, muitas vezes há grande evasão visto os tumultos causados[7].
As demais assembleias durante o período de mandato chamam-se de assembleias extraordinárias, nelas pode ser discutido qualquer assunto desde que previsto no edital de convocação. Sendo assim, a assembleia geral extraordinária será reunida sempre que houver necessidade e conveniência e em todas as solenidades devem ser observadas as formalidades e respeito à valorização do patrimônio daquela comunidade.
Usa-se com frequência a expressão de que a “Assembleia é soberana”, porém essa só será soberana quando obedece às formalidades da legislação, respeita o direito dos condôminos e atinge apenas os limites que lhe são competentes e que nelas não tenha havido descumprimento de lei quanto à quórum ou cometimento de crime, como, p. ex., o descumprimento do Artigo 40 da Lei de contravenções penais.
Muitas vezes o quórum estabelecido em lei para deliberar-se determinados assuntos não é respeitado. Ou a convocação não é feita de forma adequada. O que gera demandas ao Poder Judiciario:
Ementa: RECURSO INOMINADO. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE REGIMENTO INTERNO DE CONDOMÍNO EDILÍCIO CUMULADA COM PEDIDO DE RESSARCIMENTO DOS VALORES PAGOS PARA A ELABORAÇÃO DO DOCUMENTO. PRELIMINARES PROCESSUAIS AFASTADAS. DECISÃO QUE NÃO RECEBEU A EMENDA À INICIAL QUE SE MOSTRA ACERTADA. IRREGULARIDADE DO TERMO DE AUDIÊNCIA NÃO VERIFICADA. MÉRITO NÃO ACOLHIDO. NULIDADE DA APROVAÇÃO DE REGIMENTO INTERNO NÃO DEMONSTRADA. INEXIGÊNCIA DE QUORUM QUALIFICADO PARA APROVAÇÃO DO REGIMENTO INTERNO NO CASO CONCRETO. ARTIGO 1351 DO CC QUE PREVÊ QUORUM QUALIFICADO DE 2/3 APENAS PARA A ALTERAÇÃO DA CONVENÇÃO CONDOMINIAL. REGIMENTO APROVADO PELA MAIORIA DOS PRESENTES EM ASSEMBLEIA, EM QUE ESTAVAM PRESENTES 8 DAS 12 UNIDADES QUE COMPÕE O CONDOMÍNIO. GASTO PARA ELABORAÇÃO DO DOCUMENTO DO REGIMENTO INTERNO (R$ 1.000,00) QUE ESTÁ DENTRO DA ALÇADA DE GASTOS DO SÍNDICO COM DISPENSA DE APROVAÇÃO PELA ASSEMBLEIA, CONFORME AUTORIZADO EM ATA DE ASSEMBLEIA ANTERIOR. DESNECESSIDADE DA DESPESA OU EXCESSO NÃO DEMONSTRADO. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO.(Recurso Cível, Nº 71010300051, Primeira Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, Relator: Mara Lúcia Coccaro Martins Facchini, Julgado em: 17-02-2022)grifei.
Ementa: AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONDOMÍNIO EM EDIFÍCIO. ASSEMBLEIA EXTRAORDINÁRIA. DESTITUIÇÃO DE SÍNDICO. QUÓRUM DE 2/3 EXIGIDO PELA CONVENÇÃO. NÃO ATINGIDO. MAIORIA ABSOLUTA NOS MOLDES DO ARTIGO 1.349 DO CC. NÃO ALCANÇADA. – No caso, o condomínio é constituído por 116 unidades e o quórum para a destituição da síndica era de de 77 votantes, equivalentes a 2/3 dos condôminos. Dito isso, na referida assembleia a votação para destituição da síndica agravante ocorreu de forma apertada, sendo 35 votos a favor e 33 votos contra. – No atual estágio processual, verifica-se que tanto as disposições previstas na convenção de condomínio que exigia 2/3 para a destituição não foram observadas, bem como o quórum exigido pelo artigo 1.349 CC não foi alcançado, motivo pelo qual a síndica deve ser reconduzida a função do qual destituída. – Com relação ao alcance da expressão “maioria absoluta” prevista no artigo 1.349 do CC, a lei não contém expressões inúteis. Dessa forma, sua interpretação não pode ser desvirtuada de modo a validar uma aprovação assemblear obtida por maioria simples. Fixando a convenção condominial um quórum específico para a destituição do síndico – o qual se coaduna com a maioria qualificada presente na lei civil – e não tendo esta sido obtido na assembleia convocada para este fim, é necessário reconhecer- se a invalidade do ato. AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO. UNÂNIME.(Agravo de Instrumento, Nº 50469581720218217000, Décima Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Gelson Rolim Stocker, Julgado em: 29-04-2021)grifei.
Com o advento da Pandemia da COVID19 tivemos, forçosamente, a possibilidade, agora positivada na letra da Lei 14.010/2020, aquilo que alguns condomínios já vinham fazendo: Assembleias de modo virtual, in verbis:
Art. 5º A assembleia geral, inclusive para os fins do art. 59 do Código Civil, até 30 de outubro de 2020, poderá ser realizada por meios eletrônicos, independentemente de previsão nos atos constitutivos da pessoa jurídica.
Parágrafo único. A manifestação dos participantes poderá ocorrer por qualquer meio eletrônico indicado pelo administrador, que assegure a identificação do participante e a segurança do voto, e produzirá todos os efeitos legais de uma assinatura presencial.
Até o advento da Lei 14.309/2022 a Assembleia iniciava e terminava no dia pré-determinado no Edital de Convocação.
Faziam-se assembleias de forma continuada, mas aos condomínios, jurídicos e administradores pairava a dúvida sobre a validade, formalidade e se aqueles condôminos irresignados não iriam achar algo para prejudicar todo o trabalho já debatido.
O único lado bom da pandemia foi a evolução legislativa para garantir o direito de união do mundo virtual com o presencial, havendo atualmente assembleias exclusivamente presenciais, exclusivamente virtuais e as híbridas.
A ASSEMBLÉIA PELA ÓTICA DA LEI 14.309/2022: INOVAÇÃO OU MAIS DO MESMO?
A lei 14.309/2022 chancelou, de forma definitiva, a possibilidade de se fazer Assembleia virtuais, da convocação ser de forma eletrônica (salvo se a convenção não vedar) e trouxe a assembleia permanente como possibilidade – formalizou-a de forma a trazer segurança jurídica às deliberações.
Assembleias em sessão permanente não podem ultrapassar o período de 90 dias, sendo necessário atendimento dos requisitos descrito na norma, como elaboração de ata parcial, convocação dos ausentes, conforme reza o texto legal.
Mas a questão é: A lei, de fato, inovou alterando os artigos do Código Civil ou apenas chancelou o que já ocorria anteriormente de maneira informal e arriscada pelos profissionais mais aventureiros do Direito?
A maioria das Convenções – antigas – rezam que a convocação deve ser com Carta Registrada. Em um mundo de mudança e velocidade em que o e-mail, grupo de WhatsApp, plataformas digitais que são de uso comum dos condomínios utilizarem para comunicados, informativos, às vezes de maneira equivocada como meio para debate assemblear, a carta AR está em desuso, se tornando obsoleta e com custo dos correios sendo dispensado na maioria das previsões orçamentárias.
As reuniões e Assembleias já vinham, em alguns condomínios, ocorrendo de forma virtual, por meio de ferramentas como Zoom e Spike principalmente).
Algumas Assembleias em razão de uma determinada matéria era necessário postergar a sua resolução e retomá-la em outro momento; algum assunto para o qual era necessária a “consulta” externa fugindo da possibilidade de debate no momento da Assembleia, sendo exatamente o que a lei formalizou de maneira clara.
Mas inegavelmente a letra da Lei trouxe a segurança jurídica necessária para que os Condomínios e suas administrações pudessem operacionalizar de forma mais segura e objetiva o ato solene assemblear, para que se resguarde o direito, interesse e a manifestação de cada condômino.
Em suma temos que a inovação da Lei cujo momento foi posterior a um momento triste da sociedade em razão do isolamento da covid-19, nos trouxe segurança para atuação no mundo virtual, trazendo, também, aos condomínios meios de atualização e agilização dos debates que são tão necessários nas comunidades condominiais de todo país.
[1]*Advogado e Professor. Mestre em Filosofia e Teoria da Justiça (UNISINOS). Especialista em Direito Imobiliário(UNIRITTER). Membro da Comissão Especial de Direito Imobiliário da OAB/RS. Diretor da Associação Nacional da Advocacia Condominial – ANACON. Membro da Associação Brasileira de Advogados – ABA – Comissão Nacional de Direito Imobiliário.
[2]*Advogada. Especialista em Direito Imobiliário(UNIRITTER). Membro da Comissão Especial de Direito Imobiliário da OAB/RS. Diretora da Associação Nacional da Advocacia Condominial – ANACON.
[3] ZAIM, Miguel. Manual Prática da Advocacia Condominial. 2021. Pag. 81).
[4] FRANCO, J. Nascimento. Condomínio. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. p. 65-68.
[5] SCAVONE JUNIOR, Luiz Antonio. Direito imobiliário: teoria e prática. 10. ed. rev. atual e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2016. Livro eletrônico.
[6] AVVAD, Pedro Elias. Direito imobiliário. 2. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Renovar, 2009. p. 182.
[7] FRANCO, J. Nascimento. Condomínio. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. p. 66